O início
“Fui morar com ele quando tinha 13 anos, e ele, 14. Éramos duas crianças. Ele trabalhava em um lava jato e eu cuidava de crianças, era uma espécie de babá, também fazia outros bicos. Morávamos em Caratinga, Minas Gerais. Ele começou a comprar várias coisas para casa, moto, carro e aí passei a desconfiar, afinal, meu irmão, assassinado há seis anos, já mexia com isso. Eu sabia como era. Na época, ameacei separação, falava que não queria a vida do crime. Mas o poder já tinha subido na cabeça dele. E como não tinha outra renda, essa se tornou um meio de sobrevivência. A verdade é que a gente se envolve com tudo isso por amor mesmo. Fazemos sem pensar nas consequências”.
As Bibis Perigosas existem
“Em pouco tempo, comecei a entrar em contato com as pessoas, os depósitos bancários passaram a cair na minha conta, até que ele foi preso e eu assumi o comando. Sabia quem era quem, tinha aprendido como administrar e, apesar de não ter concluído o ensino médio, sempre fui boa de conta. Sabia como fazer. A minha casa era um ponto de droga, tinham cinco pessoas abaixo de mim. Mas nunca matei ninguém”.
A conta chegou
“Fui presa quando a minha filha caçula tinha oito meses. Minha mãe não falava comigo, meu marido estava foragido em São Paulo e já tinha arrumado outra mulher, claro. A sorte é que eu tinha guardado um pouco de dinheiro e foi com isso que sobrevivi dentro da prisão. Tinha uma única amiga que me visitava e ela era responsável por comprar comida para mim, produtos de higiene pessoal, xampu, por exemplo, porque o Estado não dá. O absorvente é muito ruim… Dentro da cadeia ou você aprende a bater ou apanha. Tudo que o tráfico traz de bens materiais ele leva – no fim você gasta com advogado, contas, nada fica… Perto do fim da minha pena, meu ex foi preso novamente. Na época, acabei perdoando a traição e indo visitá-lo, mas não deu certo. Acho que só voltei por ciúme da mulher que ele tinha arrumado. Atualmente, ele está solto, moramos na mesma cidade e nos vemos por causa dos nossos filhos”.
O recomeço
“Na prisão, eu percebi que podia passar por qualquer dificuldade, mas não voltaria para o mundo do crime porque, de fato, não vale a pena. Sofri vendo os meus filhos sofrerem, sendo criados sem mim por perto. Ainda não consegui conquistar a confiança deles, mas sei que isso é só com o tempo, tenho consciência disso. Eu e a minha mãe voltamos a conversar. É difícil estabelecer uma relação de confiança com a própria família. No fundo, todo mundo fica vigiando você. De qualquer forma, não acredito na frase ‘quem entrou para o tráfico uma vez não sai nunca mais’. A pessoa consegue sair se tiver força de vontade. Todo mundo tem um desvio na vida, se não é mexendo com coisa errada, é fazendo mal para alguém. O pedaço de mau caminho existe.
Hoje, posso falar que estou bem em todos os sentidos. Consegui retomar meu emprego em um restaurante, onde trabalhei bem antes do tráfico. Os donos me conhecem e me deram uma segunda chance. Trabalho de segunda a sábado, das 7h às 3h30, lá e de terça, sábado e domingo, das 17h à meia-noite, em uma pizzaria. Pago água, aluguel, TV a cabo, luz, faço compra, ajudo ‘os meninos’ com roupa, calçados. Minha filha mais velha também trabalha e me ajuda sustentar a casa. Apesar do meu passado não ser um assunto comentado, sempre explico, lembro os meus filhos que a criminalidade não compensa”.
Reflexões
“Assisto à novela e penso ‘nossa, já fiz tudo isso’. Me vejo no jeito da Bibi, na forma que ela age, no amor que ela tem pelo marido… É muito envolvimento. Você percebe que está errada, mas não consegue parar, vai de cabeça. É muito dinheiro, aí se deixa levar. Se esconde atrás de pensamentos do tipo ‘vou dar uma vida boa para os meus filhos’. Mas, no fim, não vai dar nada, porque acaba sem nada, perde tudo. Na época, eu tinha joias, roupas, em uma noite gastava R$ 1 mil sem nem pensar. Gostava de carros, motos, trocava, comprava outro a hora que quisesse, bastava cismar. Agora, não tenho nada. Só me lasquei.
Se o seu parceiro não quiser sair da vida do crime, saia você da vida dele porque depois ele vai trocá-la por uma outra qualquer. A mulher sofre, mas sempre está junto, passa fome, sede, fica ali do lado sempre. O homem não”.
*O nome foi trocado para preservar a identidade dele.