Movimento Passe Livre convoca protesto no centro de SP contra aumento da passagem
ERNESTO RODRIGUES (FOLHAPRESS)
Uma sensação de Déjà vú pode tomar conta das ruas de São Paulo no final da tarde desta sexta-feira. Uma das grandes lideranças das manifestações que paralisaram diversas cidades do país em junho de 2013, o Movimento Passe Livre (MPL) volta às ruas neste início de ano em um ato contra o reajuste das tarifas dos trens, ônibus e metrô da cidade de São Paulo. Anunciada no final do ano passado, e em vigor desde terça-feira desta semana, as tarifas subiram de 3 reais para 3,50.
Juntamente com o aumento da tarifa, a prefeitura e o Governo do Estado anunciaram a criação do passe livre estudantil, que deve beneficiar estudantes de escolas públicas – incluindo os da USP e da UNESP – e bolsistas de escolas particulares da cidade. A medida ainda deve ser aprovada na Câmara Legislativa, por isso as normas específicas de quem e como será o benefício ainda não foram divulgadas. Sabe-se que estará limitado a 48 viagens por mês e que cerca de 505.000 estudantes devem ser beneficiados.
A limitação do benefício é uma das críticas do MPL. O prefeito Fernando Haddad diz que o passe livre estudantil é uma conquista dos militantes do MPL, que deveriam reconhecê-la. “O movimento não está sabendo valorizar a vitória que teve”, disse, em entrevista ao EL PAÍS, no dia em que entrava em vigor o aumento da tarifa. Para Oliver Cauã, estudante de Geografia da UNESP, que estuda o MPL e o transporte público, esse benefício não é uma vitória. “Passe livre estudantil é um benefício, entre aspas, que é pago pelos outros usuários”, diz. “Está longe de ser uma vitória”.
Por essa e outras razões, as manifestações estão sendo convocadas. Em São Paulo, 45.000 pessoas confirmaram presença no ato desta sexta pelo Facebook. A Polícia Militar estima que 5.000 comparecerão. Em 2013, o confronto com a PM, que se mostrou abusiva por diversas vezes com os manifestantes, acabou virando um novo estopim que alimentou a onda de manifestações. Segundo o major Larry, a PM convocou os dirigentes do movimento para uma reunião para conversar sobre o ato por três vezes, mas sem sucesso.Em nota, o MPL disse que não participaria da reunião porque não vê “sentido em comparecer a uma reunião para ‘definir as diretrizes do ato’ com uma instituição que se prepara para reprimir uma manifestação legítima antes mesmo que ela aconteça”.
Segundo Larry, não há uma estratégia diferente da adotada em 2013: “A técnica de fazer um acompanhamento aproximado [formando uma espécie de cordão humano com os policiais] deu certo e foi a melhor que nós encontramos. Por isso repetiremos dessa vez”, disse. Nesta sexta, o efetivo será formado por 800 policiais e 50 viaturas. A manifestação está marcada para as 17h, com concentração em frente ao Teatro Municipal de São Paulo.
Assim como em junho de 2013, neste ano outras cidades além de São Paulo também convocaram a militância às ruas. Rio de Janeiro, Praia Grande (SP), Guarulhos (SP), Joinville (SC), Florianópolis (SC) e Salvador são algumas delas.
Foi em Salvador e Florianópolis que o MPL teve origem. Após uma série de manifestações contra o aumento da tarifa na capital baiana em 2003 – chamada “Revolta do Buzu” – e na capital catarinense, no ano seguinte – a “Revolta da Catraca”, o movimento foi tomando forma. A maioria dos seus integrantes, que dizem fazer parte de um movimento “horizontal, apartidário e não anti-partidário”, costuma desconfiar da imprensa, dificilmente sai em fotos e tampouco se identifica como dirigente do movimento. “Todos nós somos militantes, não temos dirigentes”, disse a estudante Luíze Tavares, de 18 anos.
O movimento está, no momento, centrado na periferia, onde, segundo os militantes, há uma militância mais orgânica. As maiores manifestações, porém, acontecem na região central da cidade. Além dos atos, o MPL organiza aulas públicas sobre o transporte, reuniões e festas populares com cunho politizador. Há comitês do Movimento Passe Livre por outras cidades do país, além de São Paulo.
Não é só por 20 centavos
Em 2013 “Não é só por 20 centavos” foi uma das frases que marcou o início das manifestações. A tarifa do ônibus havia subido de 3 reais para 3,20, dando início a uma série de mobilizações pelo país. A revolta contra o aumento da passagem deu margem para que a implantação do passe livre voltasse para a pauta de discussão. Segundo a carta de princípios do MPL, “a luta pela Tarifa Zero não tem um fim em si mesma. Ela é o instrumento inicial de debate sobre a transformação da atual concepção de transporte coletivo urbano (…)”. “O MPL argumenta, e eu em parte compartilho, que a questão da tarifa é estruturante”, afirma Oliver Cauã.
Do seu lado, a Prefeitura diz que não tem dinheiro para implantar o passe livre. “De onde eu vou tirar seis bilhões de reais?”, perguntou o prefeito Fernando Haddad, em entrevista a esse jornal. “É como se eu tirasse todo o dinheiro arrecadado com o IPTU e investisse em transporte e em mais nada”. O MPL, por sua vez, não propõe como se daria a viabilidade da implantação da tarifa zero para toda a população. “Não falamos em número”, disse a militante Luíze Tavares.
Para Andrea Matarazzo, vereador e líder do oposicionista PSDB na Câmara dos Vereadores, a falta de viabilidade econômica para a implantação do passe livre é o grande x da questão. Segundo ele, a manifestação deveria ser por mais qualidade no transporte público e não contra o aumento da tarifa. “O transporte público tem um custo alemão para as empresas e para a Prefeitura, equalidade africana para o usuário”, afirmou. Em 2013, Matarazzo, que já ocupou diversos cargos como secretário na Prefeitura durante o Governo de José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD), afirmou que Fernando Haddad estava provando do próprio veneno ao ter que enfrentar as manifestações nas ruas. “As manifestações ocorreram por uma insatisfação geral. É diferente de hoje. Mas a Prefeitura tem dado demonstrações de que não sabe conduzir questões fundamentais para a cidade”, disse. Ele é a favor do aumento da tarifa.
Quase realidade
No início da década de 90, durante o Governo da ex-prefeita Luiza Erundina (PT), a proposta de um transporte público livre de catracas quase virou realidade. O então secretário de Transportes, Lúcio Gregori, explica que o projeto foi formulado e era economicamente viável, mas não foi aprovado na Câmara dos Vereadores e acabou engavetado. “Naquela oportunidade, a Prefeitura propunha uma reforma tributária centrada no IPTU”, diz Gregori. “Aumentava-se bastante o IPTU de imóveis de luxo, grandes empreendimentos, bancos, enquanto imóveis com até 60 metros quadrados ficavam isentos”. Com mais dinheiro em caixa, a Prefeitura subsidiaria 100% do transporte público.
Segundo Gregori essa era uma medida de grande aceitação entre a população na época. “Uma pesquisa feita então mostrou que 76% aprovavam a reforma tributária e 68% queriam que a Câmara aprovasse a Tarifa Zero. Mas a Câmara sequer votou”.