abr 18, 2015 Destaque, Política 1729
Brasília – A oposição no Senado substituiu o discurso moderado pelo tom beligerante em relação à possibilidade de interrupção do mandato da presidente Dilma Rousseff. Depois de o Tribunal de Contas da União (TCU) classificar de crime de responsabilidade fiscal as chamadas “pedaladas” do Tesouro no primeiro mandato de Dilma – reveladas pelo Broadcast em 10/07/2014 – o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), passou a defender abertamente o impeachment, embora o partido esteja mais empenhado em anular o pleito do ano passado e convocar novas eleições presidenciais.
“É o crime de responsabilidade que leva ao impeachment”, afirmou Cunha Lima ao Broadcast, referindo-se à conclusão da análise do TCU, divulgada anteontem. “O crime foi praticado e a presidente está, portanto, exposta a um processo de impeachment” declarou.
O senador, que em 2008 teve o mandato de governador da Paraíba cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, ressaltou estar falando com conhecimento de causa. “Fui cassado por um delito eleitoral nas chamadas condutas vedadas e infinitamente menos grave do que está acontecendo em relação às acusações que a presidente Dilma responde.”
O PSDB, segundo destacou, aguarda apenas a conclusão de um parecer do jurista Miguel Reale Jr para pedir o afastamento de Dilma numa estratégia com três linhas distintas: a campanha no Congresso pela apreciação de um pedido de impeachment; a retomada da apreciação pelo Supremo Tribunal Federal do pedido de anulação da eleição com base na denúncia de fraude com o uso dos Correios em Minas Gerais (o ministro Gilmar Mendes pediu vista e o processo está parado há mais de três meses), e a alternativa de recorrer à Justiça comum.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Broadcast: Por que o impeachment, antes visto como improvável, está sendo apontado como uma possibilidade real? O que mudou?
Cássio Cunha Lima: Para que o impeachment aconteça precisa de um cenário político e uma realidade jurídica. O cenário político está construído desde março, com as manifestações, com todas as mentiras colocadas pela presidente Dilma durante a campanha. É constrangedor dizer isso, mas a presidente mentiu ao povo brasileiro. Mas faltava um elemento jurídico que foi dado pelo Tribunal de Contas da União com a decisão de ontem (quarta-feira) sobre a contabilidade criativa, a pedalada fiscal, que nada mais é do que crime de responsabilidade. E é o crime de responsabilidade que leva ao impeachment. De forma cabal. Ao contrário dos outros procedimentos em curso ainda, como a Lava Jato que a seu cabo vai apontar para uma série de crimes. No caso da decisão do Tribunal de Contas o crime já está praticado e a prova está feita. A presidente da República descumpre o artigo 85, inciso VI, da Constituição. Ela descumpre o artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), porque contraiu empréstimos ilegais feitos pela Caixa, pelo Banco do Brasil e pelo BNDES, para o Tesouro Nacional. E ela descumpre o artigo 10, da Lei 10.079, de 1950, que define os crimes de responsabilidade. Não há mais o que discutir. O crime foi praticado e a presidente está, portanto, exposta a um processo de impeachment.
Broadcast: O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, diz que o sistema de pagamentos vinha sendo feito desde 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso. Isso não derruba o argumento de crime fiscal?
Cunha Lima: Não. Traz à tona o argumento de crime continuado. Ao invés de ser um argumento de defesa, é um agravante na situação. Se essa realidade vem desde 2001, não absolve o que foi feito. Não sei se no governo Fernando Henrique teve, mas se teve, a ilegalidade está praticada. Mas Fernando Henrique não é mais presidente. Ele já cumpriu mandato, foi reeleito, cumpriu mandato, ninguém pode mais “impeachar” um mandato que já foi cumprido. Quem está exposta a um processo de impeachment, pelo crime de responsabilidade que foi criado, é a presidente Dilma Rousseff, do PT. Durante anos, até chegar ao poder, o PT dizia: vote conosco que somos diferentes. Depois que chegam ao poder, passa a ideia: são todos iguais. Todos iguais coisa nenhuma! Nós podemos ser tudo farinha, mas não do mesmo saco. Até bem pouco tempo atrás, sobretudo ontem (quarta-feira), nós (PSDB) tínhamos consciência que faltava o elemento jurídico que justificasse o pedido de impeachment. As condições políticas já estavam postas, mas faltava o elemento jurídico, legal, que surgiu.
Broadcast: Então a postura do PSDB vai mudar?
Cunha Lima: Acredito que sim. No âmbito da minha liderança no Senado, da liderança da Câmara dos Deputados e da liderança do Congresso Nacional, o partido vai intensificar esse enfrentamento em defesa da sociedade e dos brasileiros, que não conseguem mais sobreviver no meio de tantos desmandos. Além dessa questão da pedalada fiscal, existe um outro processo que esse seguramente merece a atenção. É a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, a AIME, que tramita na Justiça Eleitoral, e o próprio TCU já atestou que houve ilegalidade na utilização dos Correios na campanha da presidente Dilma. Ali caracteriza abuso de autoridade e abuso de poder político, com punição prevista em lei de cassação do mandato. E atinge inclusive o vice-presidente, com a possibilidade de realização de novas eleições. Tínhamos entrado com a AIME, a ministra Maria Thereza não conheceu a ação, nós agravamos (recorremos) da decisão, e no julgamento do agravo, o ministro Gilmar Mendes pediu vista. Estamos agora aguardando o retorno do voto-vista porque crimes eleitorais gravíssimos foram praticados na campanha. A legislação, que vale para todos, é muito clara: diante das condutas vedadas, do abuso de poder político e do poder econômico, a punição é a cassação do mandato do titular e do vice.
Broadcast: O cenário agora é mais propício para exercer pressão, para que o processo caminhe?
Cunha Lima: Será uma solicitação para que o ministro Gilmar Mendes possa dar prioridade nesse voto, uma vez que há elementos para a cassação do mandato, o que seria uma solução menos traumática do que o próprio impeachment. Porque se chama novas eleições. E com um detalhe,m a possibilidade de o próprio Lula disputar a eleição.
Broadcast: E Aécio Neves também?
Cunha Lima: E Aécio e os outros que queiram postular a eleição. Tivemos uma eleição marcada por fraudes. O eleitor se sente logrado, enganado, daí porque essa insatisfação. Há uma roubalheira desenfreada, corrupção por todo o lado. Nada mais consertador para o Brasil a Justiça Eleitoral cumprir a lei num julgamento isento, determinar a realização de novas eleições, zerar esse processo e termos a chance de construir um futuro melhor.O PT é um partido que em pouco tempo teve dois tesoureiros presos. É um partido que, infelizmente, enveredou para o lado do crime. Até chegar ao poder dizia: somos éticos, honestos, diferentes. Vote na gente que nós somos muito diferentes de tudo que está aí. Em termos de postura ética, é muito pior, indiscutivelmente.
Broadcast: Quando vocês pretendem entrar com a representação?
Cunha Lima: Estamos aguardando um parecer encomendado pelo partido ao doutor Miguel Reale Junior. Pedimos também ao TCU uma perícia sobre as pedaladas fiscais. Tão logo o Tribunal nos envie esse documento, encaminharei a Reale para que ele possa fechar o parecer e as bancadas da Câmara e do Senado possam agir.
Broadcast: A decisão do TCU de não incluir a presidente Dilma e sim gestores, ministros, presidentes de bancos, não inviabiliza jurídica e politicamente um pedido de impeachment?
Cunha Lima: Em absoluto. O TCU é um órgão auxiliar do poder Legislativo. Não faz análise de mérito de caráter político. E apenas optou por fazer uma investigação preliminar em 17 autoridades, naturalmente com o foco muito grande no ex-ministro (Guido) Mantega e no senhor Arno Augustin, que era secretário do Tesouro. Fica patente que algo dessa envergadura foi do conhecimento da presidente da República. Se ela não teve conhecimento, ela foi omissa e também praticou crime de responsabilidade pela omissão. A presidente Dilma terceirizou a gestão política ao vice-presidente Michel Temer. Terceirizou a gestão econômica ao ministro Joaquim Levy. Mas não pode terceirizar para ninguém a prática do crime de responsabilidade. Está na Constituição. É um beco sem saída. É a chamada sinuca de bico. O próprio (Luís Inácio) Adams reconhece que foi feito, e está aqui no artigo 36 da LRF com todas as letras: é proibida operação de crédito – e o que houve foi uma operação de crédito ilegal – entre instituições financeiras estatais e o ente da federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo. Portanto, o crime foi praticado. E pela presidente da República, que é quem tem a atribuição constitucional de zelar pelo orçamento. O governo usou toda a força política que tinha no final do ano passado para mudar a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para que a cena do crime fosse limpada, porque tinha uma meta fiscal a ser atingida. Não foi atingida e eles tiveram de mudar a lei para não descumprir a LRF. Só que esqueceram que tinha um rastro, digital e DNA no que fizeram em relação aos empréstimos ilegais.
Broadcast: Qual será o caminho adotado pelo PSDB?
Cunha Lima: Na representação fruto da pedalada e outros crimes comuns a presidente pode ser, sim, processada por crimes comuns no exercício do mandato, estranhas à função de presidente. Vamos ao Ministério Público Federal provavelmente. Tudo isso vai depender de uma palavra final do doutor Miguel Reale Junior e do doutor José Geraldo Alckmin, que comanda as questões no âmbito da Justiça Eleitoral. Temos conosco o DEM, o PPS, o Solidariedade e qualquer outro partido brasileiro que queira somar o esforço do PSDB para mudar o Brasil. Eu tive o mandato de governador cassado, mas por muito menos. Perdi o mandato porque um jornalista escreveu no jornal estatal “A União” cinco artigos favoráveis ao governo. A Justiça Eleitoral entendeu isso como um crime gravíssimo e cassou o meu mandato. Outra razão foi um programa social muito parecido com o Bolsa Família. Por muito menos eu perdi o mandato de governador, então eu falo.
Broadcast: Com autoridade…
Cunha Lima: Falo com conhecimento de causa. Não fui cassado por improbidade, corrupção, nada. Fui cassado por um delito eleitoral nas chamadas condutas vedadas e infinitamente menos grave do que está acontecendo em relação às acusações que a presidente Dilma responde.
*Entrevista concedida aos jornalistas Irany Tereza e Ricardo Brito, e publicada nesta sexta-feira (17) no Broadcast Político (Conteúdo Estadão)
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