jun 23, 2020 Destaque, Geral 759
O diagnosticado com câncer, desenganado pelos profissionais mais renomados do mundo, decidiu levantar a cabeça e lutar por quem ainda poderia ter uma chance de sobreviver à doença. Reuniu, na sede do jornal Diário Carioca, no Rio de Janeiro, políticos, médicos, jornalistas numa mesa -redonda, e pediu ajuda para criar instituições onde os pacientes com câncer pudessem se tratar Brasil afora. O médico era Napoleão Rodrigues Laureano e, a partir de então, seu nome nunca mais foi esquecido. Com o apoio que conseguiu naquele encontro, viu que a ideia poderia dar certo. “Isso tudo era transmitido pelo rádio, o povo ligando querendo ajudar, os médicos doaram um dia do seu salário. Após um certo número de horas da reunião, o volume de recursos era considerável e foi preciso criar uma fundação para administrar os recursos que chegavam. Chegou a ser recebido pelo presidente da República, Getúlio Vargas, que estava em Petrópolis”, relatou Antônio Carneiro Arnaud, primeiro diretor do hospital e atual presidente da Fundação. Paraibano de Umbuzeiro, Napoleão Laureano concluiu o curso de Medicina em 1943, na Faculdade de Medicina do Recife e veio morar na capital. “Era um médico muito generoso. Atendia a todos, quem podia e quem não podia pagar. Caridoso, respeitado, admirado pela população de João Pessoa, chegou a ser candidato a vereador e foi o segundo mais votado, perdendo apenas para Cabral Batista. Assumiu a presidência da Câmara Municipal e foi aí que veio o diagnóstico de osteossarcoma do seio maxilar. Diziam que era um dente, sinusite e, quando veio o diagnóstico, a doença estava avançada”, contou Carneiro Arnaud. Napoleão foi para Nova York em busca de tratamento avançado, mas os especialistas concluíram que não havia mais nada a fazer. “Mesmo com essa sentença de morte dada pelos colegas renomados, voltou para o Rio de Janeiro e ficou sendo acompanhado pelos médicos do Hospital [Universitário] Gafrée e Guinle. Ele disse que estava ali pedindo para que se fizesse uma campanha no Brasil de luta contra o câncer, viabilizando uma entidade de âmbito nacional. Se não fosse possível, que pelo menos se construísse, em João Pessoa, uma instituição de combate ao câncer”, lembrou Carneiro Arnaud. Napoleão Laureano faleceu no dia 31 de maio de 1951. O hospital, idealizado por ele, foi inaugurado em 24 de fevereiro de 1962, em um terreno doado pelo então governador da Paraíba, José Américo de Almeida. A unidade de saúde é referência no tratamento do câncer na Paraíba e fica localizado no bairro de Jaguaribe, em João Pessoa. É destinado, especialmente, para os pacientes mais carentes, que não têm como manter um plano de saúde e são atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Nunca fechamos as portas e nunca diminuímos nossos atendimentos. O hospital é uma perfeição em seriedade, em decência em favor do canceroso pobre. Recebemos com dignidade, respeito. Isso tudo é resultado da dedicação e amor ao próximo que Napoleão Laureano mostrou no final da Sua vida, na angústia da dor.” declarou Antonio Carneiro Arnaud.
Comoção na Paraíba e no país
Napoleão Laureano morreu no Rio de Janeiro, enquanto lutava pela vida. Seu corpo veio para a Paraíba num avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e foi enterrado no cemitério Senhor da Boa Sentença sob os olhares de uma multidão. Durante o velório, além de outras autoridades, estava o então governador da Paraíba José Américo de Almeida. Também estiveram na despedida o diretor de A União na época, escritor Juarez Batista, que fez um discurso em nome da Fundação Napoleão Laureano. O registro de sua presença e discurso está na página 3, da edição de 5 de junho de 1951, de A União. Na época, o deputado Janduhy Carneiro fez um discurso, na Câmara Federal, lembrando a importância de Napoleão Laureano na luta contra o câncer no Brasil. Na mesma edição do Jornal A União, porém, na página 5, o diário traz uma foto legenda, que mostra a multidão que tomou as ruas da capital para se despedir de Napoleão Laureano. A publicação desta data contém ainda os telegramas encaminhados ao governador da Paraíba, por autoridades e personalidades de várias partes do país, lamentando a perda do médico.
Um “testamento” para aqueles que sofrem ”Ilustres Senhores, ninguém poderá duvidar das minhas intenções, pois condenado como estou pela Medicina, nada pretendo para mim. Profissionalmente, me faltarão as forças necessárias para qualquer iniciativa. Assim, não peço para mim, mas para meus patrícios, para milhares de brasileiros que, pelo interior, são vítimas do mesmo mal que me acometeu. Sinto forças morais para pedir, porque conheço a sensação de ser presa dessa moléstia terrível, pedir ao povo e ao Governo que me auxiliem a morrer tranquilo, com o conforto de haver feito algo, ao menos pela Paraíba, neste setor que abracei como especialidade, a luta contra o câncer. Quero, portanto, ver fundado pelo menos um centro de combate ao câncer, em João Pessoa, na Paraíba, ainda antes de morrer, se a sorte me permitir”.
(pedido de Napoleão Laureano, feito em 1951, no ano de sua morte, durante mesa-redonda, realizada no Jornal Diário Carioca).
Profissionais de saúde falam sobre legado
A importância de Napoleão Laureano no cenário oncológico na Paraíba é gigante. Não tínhamos um local para cuidar desses pacientes. O tratamento era muito incipiente e ele criou um centro para tratamento oncológico. Algo extremamente grandioso que ele trouxe foi a possibilidade de formação do médico fazendo com que todos se envolvessem com a oncologia. Nas circunstâncias de dor que viveu, ele deixou seu ensinamento como oncologista, humanista. Seu grande legado foi deixar um ambiente com o melhor de si para a sociedade e um local onde os profissionais pudessem evoluir. O Hospital Laureano, assim como o Hospital de Trauma, transcende seus aspectos públicos e sociais. .ra mim é um desrespeito com o meio ambiente, porque muitas vezes a pessoa não tem consciência do que está fazendo. Isso só vai prejudicar o futuro de um filho seu ou um filho meu. Muitas vezes a gente só pensa no nosso próprio bem, não pensa na natureza, aí acontece que a gente termina prejudicando o meio ambiente e depois nós mesmo sofremos as consequências
Napoleão Laureano era um especialista em cirurgia de câncer. Estudou em Pernambuco e fez especialização no Serviço Nacional do Câncer, hoje Inca (Instituto Nacional do Câncer). Foi um dos primeiros médicos da Paraíba a se dedicar ao tratamento do câncer. Dos seus atendimentos, 80% eram para os mais humildes. A neoplasia maligna que ele tinha o levou a buscar uma assistência diferenciada para os pacientes. Na época, não havia hospital de referência e ele lutou por esse cuidado. Napoleão foi, realmente, um idealista. A doença dele ensejou a luta, promovendo uma grande campanha nacional em prol dos doentes de todo o Brasil. Quando precisou da radioterapia e teve que buscar no Rio de Janeiro, tentou viabilizar o serviço que não existia aqui. Ele é o patrono dos pacientes com câncer. Aqui não tinha lugar para pacientes com câncer e ele fez um esforço humanitário pela Paraíba e pelo Brasil.
Doutor Napoleão Laureano foi um médico à frente do seu tempo. Acometido por uma neoplasia, pensou como poderia ajudar os pacientes portadores de câncer e não só a ele próprio, baseado no seu sofrimento, na sua luta. Por isso, ele inspirou e inspira até hoje todas as gerações de médicos e profissionais que trabalham naquele hospital. Pensamos, a cada dia, como melhorar a qualidade de vida e assistência daqueles pacientes tão sofridos, que vêm de municípios tão distantes para fazerem tratamento no hospital. Dessa forma, a Pediatria também se inspirou nele. Desde 1997, começou a construir um novo legado que foi o tratamento também das crianças com todos os tipos de neoplasia da Paraíba, vindas de qualquer lugar. Ele realmente inspirou todas as gerações e inspira até hoje
Otávio Sérgio Lopes – oncologista dermatológico; durante 16 anos, atuou como voluntário no Hospital Napoleão Laureano
Dalva Guedes Arnaud – chefe do Serviço de Oncologia Clínica do Hospital Napoleão Laureano
Andréa Gadelha – oncopediatra e chefe da Unidade de Pediatria do Hospital Napoleão Laureano
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