abr 21, 2017 Destaque, STF Supremo Tribunal Federal e STJ Superior Tribunal de Justiça 866
Delações de executivos da Odebrecht, no âmbito das investigações da Operação Lava Jato, dão conta de que a empreiteira influenciou na aprovação e na edição de pelo menos 15 Medidas Provisórias, alguns Projetos de Lei e resoluções do Congresso Nacional, mediante pagamento de propinas e caixa dois em campanhas eleitorais a políticos, entre 2005 e […]
Delações de executivos da Odebrecht, no âmbito das investigações da Operação Lava Jato, dão conta de que a empreiteira influenciou na aprovação e na edição de pelo menos 15 Medidas Provisórias, alguns Projetos de Lei e resoluções do Congresso Nacional, mediante pagamento de propinas e caixa dois em campanhas eleitorais a políticos, entre 2005 e 2015.
Em conversa com o Jornal do Brasil, especialistas em Direito Constitucional lembram que o lobby (atividade de influência de determinados grupos para interferir em decisões do poder público) é um procedimento comum em parlamentos de todo o mundo, mas que a situação relatada nas delações da Odebrecht pode ser um precedente para que o Supremo Tribunal Federal (STF) seja provocado a anular atos do Executivo e do Legislativo.
Advogado e professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Daniel Sarmento afirma que há lastro jurídico para a anulação de atos aprovados pelo Executivo e pelo Legislativo. Ele explica que uma lei pode ser invalidada se ferir a Constituição Federal e seu conteúdo for incompatível com a Carta Magna ou se ficar comprovado que sua aprovação deu-se de maneira ilícita e fora do padrão da tramitação estabelecida.
Sarmento lembra que o STF até já foi provocado a declarar nulidade de leis, motivado por notícia de corrupção e compra de parlamentares, como ocorreu no escândalo do Mensalão, mas que os ministros da Suprema Corte nunca chegaram, de fato, a anular atos aprovados pelos poderes Executivo e Legislativo. Ele argumenta, porém, que o inusitado no caso envolvendo a Odebrecht na Lava Jato é o fato de o “modus operandi” vir à luz e agora estar passível de julgamentos da população e da chamada opinião pública.
“Talvez não haja novidade nessa ordem de grandeza da corrupção do Executivo e do Legislativo, do ponto de vista histórico. Mas torna-se novidade o fato de vir a público”, analisa Sarmento, acrescentando que o STF não está isento de ser movido, em alguma medida, por pressões e ser levado a anular normas do Congresso ou do Planalto. “Ministros são seres humanos, logo são influenciados pela opinião pública. Em alguma medida, todos os Poderes do Estado devem ser responsivos a uma vontade popular. O Supremo não pode, por exemplo, permitir um linchamento pedido pela maioria. Mas é sempre um equilíbrio delicado”.
Presidente do Sindicato dos Advogados do Rio de Janeiro, Álvaro Quintão reverbera a opinião de todos os especialistas ouvidos pelo JB: a delação, em si, não prova nada. Mas ele afirma que, frente à gravidade dos depoimentos sobre a ingerência na aprovação de leis, as investigações da Lava Jato deveriam se concentrar nas Medidas Provisórias enumeradas pelos executivos da empreiteira.
“Se a Odebrecht observou isso nas delações dos seus funcionários e ex-funcionários, há que se investigar se houve de fato corrupção na aprovação das MPs. Todas essas leis podem ser anuladas, porque elas têm que ter impessoalidade. Além do processo de anulação da medida, o agente público deve ser punido e responder por prevaricação”, defende Quintão, lembrando que nulidade deve ser declarada pelo Supremo via Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). “O procurador-geral da República ou qualquer entidade pode provocar o STF e este decidirá se o ato foi ou não inconstitucional”.
Quintão sustenta que a prática anormal de edição de MPs pelo Executivo também colabora para a recorrência de escândalos como o da Odebrecht. “O Brasil tem uma grande distorção do papel da MP, que só deveria ser editada em momentos de urgência e para determinadas situações específicas. Aqui, no entanto, ela virou regra. Com isso, surgem esse tipo de notícias de MPs compradas, e muitas nem se justificam como medidas provisórias. Elas deveriam, sim, ser projetos de lei. Vide agora as reforma da Educação e a da Previdência, sem nenhum tipo de discussão. Isso levanta a suspeita de que essas MPs podem ser fruto de negociações ilícitas”.
Para o jurista Dalmo Dallari, a delação da Odebrecht não é fato isolado e “grande parte” das leis brasileiras aprovadas no Congresso são fruto de tráfico de influência, de corrupção e de troca de interesses e pagamentos a parlamentares. Dallari é menos convicto sobre as chances reais de que o STF declare nulidade de todas as MPs e leis que foram aprovadas para atender aos interesses da empreiteira.
“É lamentável que isso tenha ocorrido, mas não é base para anulação. Se essas leis seguiram o procedimento constitucional, então elas foram confirmadas pelo Legislativo e integradas ao sistema jurídico. Muitas leis foram aprovadas no Congresso influenciadas por corrupção, por grupos que pagaram a deputados e senadores”, pontua Dallari, fazendo a ressalva de que uma MP enviada pela Presidência da República ao Congresso só pode sofrer intervenção se ainda tiver o status de instrumento com força de lei, ou seja, dentro do prazo de 120 dias (60 dias com possível prorrogação de mais 60 dias) e sem ainda ter sido aprovada pelo Parlamento como lei.
“Não há dúvidas de que há interferência (do poder econômico sobre o poder público), mas não vejo uma previsão constitucional que permita a anulação dessas leis. A compra de leis é uma degradação, mas eu realmente não vejo um caminho jurídico, a não ser em em MPs não consolidadas, quando ainda é possível a revogação, a rejeição ou mesmo a anulação. Fora daí, é fato consumado. Lamentável, mas que não dá para corrigir”, defende Dalmo Dallari.
>> Ao Supremo Tribunal Federal
Alguns dos atos que delatores da Odebrecht afirmam terem sido influenciados pela empreiteira no Congresso com pagamento de propinas e caixa dois:
Medidas Provisórias 252/2005 e 255/2005 (MP do Bem), 499/2008 (MP das Dívidas), 460/2009, 462/2009, 470/2009 (Refis da crise), 472/2009, 544/2011, 563/2012, 579/2012, 613/2013, 627/2013, 651/2014, 656/2014, 677/2015, 703/2015, Resolução do Senado nº 72/2010, Projetos de Lei 32/2007 e 6/2009 e Decreto 6683/2008.
Fonte: Jornal do Brasil