mar 01, 2016 Educação, João Pessoa 1300
O jornalista Ednaldo Alves publicou em sua página no Facebook um desabafo sobre o protesto com greve de fome que se desenrola na UFPB. Segundo o jornalista, ele também foi manifestante quando aluno da Universidade Federal da Paraíba e traça um comparativo entre as duas situações Confira a publicação: Eu fui residente universitário […]
O jornalista Ednaldo Alves publicou em sua página no Facebook um desabafo sobre o protesto com greve de fome que se desenrola na UFPB. Segundo o jornalista, ele também foi manifestante quando aluno da Universidade Federal da Paraíba e traça um comparativo entre as duas situações
Confira a publicação:
Eu fui residente universitário na década de 1980 e sei das dificuldades por que passa quem vem de fora, sem ter família rica, para estudar em outra cidade. Naquela época a universidade nem tinha tantos alunos com perfil social de baixa renda ou oriundos de escola pública, como passou a ter a partir dos programas de inclusão social do governo Lula, da lei de cotas e da ampliação dos cursos através do Reuni. Eu era uma das exceções para confirmar a regra. Mesmo assim, assisti dezenas de colegas trancarem matrículas ou abandonarem o curso, voltando para suas cidades para trabalhar e poder se sustentar por falta de vagas nas residências ou até mesmo por não aguentarem comer apenas duas vezes por dia (O RU só fornecia café da manhã para quem era residente). Eu era um daqueles teimosos, que guardava o pão da sopa para lanchar na madrugada e que vinha a pé ou pegava carona para poder chegar ao campus na hora da aula.
Entre os anos de 1984 e 1986, estive junto com a luta de minha geração em defesa do ensino público e, por mais de uma vez ocupamos a Delegacia do MEC, Fundação José Américo, Reitoria, Restaurante Universitário e tomando às ruas em protestos, enquanto vários colegas faziam uma GREVE DE FOME (lembro dos então estudantes Chico César, Wagner Spagnul, Magal, Chico Viola). A pauta? ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL. Era a luta contra a cobrança de taxas e contra o fim dos subsídios, era a luta contra a criação dos tais critérios de carência, era a luta pela gratuidade plena do ensino público.
A transformação de lutas sociais em casos de polícia e a judicialização da gestão universitária também não nos era novidade. Enquanto o bafo da ditadura ainda estava no cangote da administração, dezenas de colegas estudantes foram denunciados na Polícia Federal por “vandalismo”, “cárcere privado”, “invasão de prédio público” e, ameaçados de enquadramento na famigerada Lei de Segurança Nacional (a matrona da atual Lei “antiterror”). Lembro de que em um dos processos a administração chegou a denunciar que os estudantes ameaçaram fazer sexo com um Pró-Reitor, ao gritarem palavras de ordem convidando o gestor para comer no RU. No caso, os alunos em passeata haviam gritado “Vamos comer, fulano”, e o BO dizia que os alunos haviam gritado “Vamos comer fulano”, sem a pausa da vírgula. Era um prato cheio para a imprensa conveniada da época. Hoje, ao ler alguns portais, não parece ser tão diferente.
A grande imprensa sempre esteve ao lado da tesouraria da instituição, pois em uma província, o maior pagador é o tesouro. Só tínhamos direito a uma manchete quando conseguíamos encher a rua de estudantes, parar o trânsito ou algo que trouxesse visibilidade. E, na maioria das vezes a manchete era contra o movimento. Mas não desistimos e vencemos a maioria das batalhas, mesmo a Reitoria da época se negando a abrir as contas, mesmo a administração jogando com o argumento de falta de recursos (enquanto as caras passagens aéreas eram distribuídas aos Centros Acadêmicos dóceis ao poder) e por vezes comprando estudantes através de cabides nas terceirizadas. O Diretório central dos Estudantes – DCE, tinha uma alternância de poder, mas sempre estava ao lado dos estudantes (em maior ou menor grau), e eram rechaçados publicamente os dirigentes que se vendiam e pelegavam (termo usado para carimbar os que faziam as vezes do pelo de ovelha sobre a cela, amortecendo o impacto da luta de classes). E não poderia ser diferente, pois o DCE, COMO ENTIDADE QUE REPRESENTA OS ESTUDANTES não pode abandonar uma luta social de seus representados e deve representar a política de defesa dos estudantes.
Hoje, é lamentável ver que a situação não mudou – ou, pior -, em alguns pontos se agravou.
Três décadas depois, uma nova GREVE DE FOME ocorre na UFPB. Às oito horas da manhã do dia 23 de fevereiro de 2016, um grupo de estudantes se acorrentou na entrada do prédio da reitoria e deflagrou greve de fome. Já são mais de 160 horas sem se alimentar e alguns já começam a dar os primeiros sinais de fraqueza do organismo.
A atual reitora, que nos debates falava das Residências Universitárias, Restaurante, assistência estudantil e dos direitos dos estudantes com uma segurança de quem ia realmente fazer algo, decepcionou e sequer acompanhou o crescimento da demanda socialmente vulnerável com a correspondente ampliação da oferta de vagas nesses programas. A causa maior não é falta de recursos. É falta de planejamento, aliada a falta de transparência da gestão.
Como pode um processo de seleção para decidir quem vai ou não ter um local para morar, iniciado em maio de 2015 só ser concluído em fevereiro de 2016? Dez meses para uma seleção de bolsistas? A desculpa de que foi a greve não cola. A greve que durou pouco mais de três meses, nunca fechou a Reitoria por mais de um dia seguido e nunca parou o setor financeiro. Mesmo depois da greve já ocorreram conclusões de cursos, Enem, licitações de tudo que é tipo e tamanho, mas o processo de seleção de estudantes para o auxílio moradia não andou. Se não havia como selecionar, estendesse o direito a todos os que solicitaram (até como medida emergencial e excepcional justificada pela “greve”), e, posteriormente, quando houvesse “tempo”, seria feito o recadastramento e averiguação, baseado na boa fé de quem se inscreveu e no “in dubio pró societate”. O prejuízo social seria bem menor.
Falta de recursos vai existir sempre, mas quem administra tem que se adiantar à conta que vai chegar e reservar o necessário para aquela despesa, cortando de outras áreas em que a legislação permite cortar, remanejando e fazendo economia para manter aquilo que considera prioritário. A prioridade é que deve ser o foco. Mas, se além de não ter recursos suficientes não existem prioridades sociais claras, fica bem difícil ter uma gestão eficiente. Se o número de alunos socialmente vulneráveis vai aumentar, necessário aumentar os recursos destinados às políticas públicas de manutenção dessa nova clientela na universidade.
Recursos serão sempre insuficientes, mas se houver transparência em demonstrar onde estão sendo aplicados, será mais fácil negociar e convencer o outro lado de seus argumentos, mas, quando não encontramos sequer um Boletim de Serviço no site da instituição, para saber quais Portarias foram emitidas no último mês distribuindo cargos e gratificações, ou quantas passagens aéreas foram pagas com o dinheiro do contribuinte, ou ainda quantos litros de gasolina foram pagos no veículo do gabinete de A ou de B, fica impossível crer que seja verdadeiro o que se coloca no discurso.
Ontem, como hoje, a tentativa de judicializar e tornar caso de polícia as lutas sociais, nunca terminou bem. O diálogo, com transparência e vontade de resolver, aliado a um planejamento socialmente comprometido, com a definição de prioridades. sempre traz melhores frutos na solução de crises.
#quemtemfometempressa
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