ago 25, 2017 Destaque, Famosos 1331
Marcelinho Carioca está resfriado. Faz 14 graus lá fora e ele está no fundo de sua sala de aula conversando com dois colegas sobre o TCC que eles vão apresentar no final do ano. “Precisamos de dez páginas”, diz Carolina Cristina, 21 anos, seu cabelo liso e castanho tornando-se louro perto das pontas. “Até agora […]
Marcelinho Carioca está resfriado. Faz 14 graus lá fora e ele está no fundo de sua sala de aula conversando com dois colegas sobre o TCC que eles vão apresentar no final do ano. “Precisamos de dez páginas”, diz Carolina Cristina, 21 anos, seu cabelo liso e castanho tornando-se louro perto das pontas. “Até agora eu tenho duas linhas”.
Marcelinho responde alguma coisa. Sua voz rouca, abalada por frequentes viagens pelo país com a seleção brasileira master de futebol, se esconde embaixo do burburinho dos outros grupos da sala. Ele oferece uma bala ao repórter e pede para passar o pacote adiante. Debruça-se sobre um cronograma de atividades no qual Carolina e o outro membro do grupo, Gabriel Plasa, também 21, anotam as datas de apresentação de cada etapa do trabalho.
Mais de uma década após ter entrado na faculdade pela primeira vez, Marcelinho Carioca (conhecido no meio acadêmico como Marcelo Pereira Surcin) está prestes a se formar no curso de jornalismo das Faculdades Integradas Rio Branco, cujo campus asséptico e de paredes de vidro se assemelha a um shopping center na zona oeste de São Paulo.
Ele está com 46 anos e é o mais velho de sua turma. Ele se orgulha de em breve ser, segundo ele, o único ex-jogador de futebol a conseguir um canudo em jornalismo, o que ele compara “a fazer um gol numa final de Copa do Mundo”.
Na frente da sala, a professora Patrícia Rangel orienta cada grupo sobre os prazos e a execução do Trabalho de Conclusão de Curso, etapa obrigatória e geralmente traumática de toda graduação.
Marcelinho e Gabriel têm muita coisa em comum. Eles adoram futebol. Eles conversam sobre futebol todos os dias. Eles zoam suas paixões opostas no mundo do futebol (“o único defeito dele é ser palmeirense”, diz o ex-jogador do Corinthians). Quando decidiram fazer o TCC juntos, o assunto que escolheram tratar foi futebol.
Carolina, que nem sabia quem era Marcelinho Carioca antes de tê-lo como colega de curso, vetou. Ela odeia futebol e revira os olhos quando precisa dizer isso. Agora, enquanto os três caminham em direção à professora para explicar a quantas anda a produção do trabalho, eles pensam no novo tema que escolheram para encerrar o curso.
Hipnose.
Desde que soube que teria que produzir, gravar e editar programas sobre hipnólogos como trabalho de conclusão de curso, Marcelinho mergulhou na bibliografia especializada e tentou acumular o máximo de conhecimento sobre isso; sobre a relação da hipnose com a psicanálise e a psiquiatria, sobre seu uso em tratamentos de saúde, sobre hipnólogos famosos e outros nem tanto.
Foi a primeira vez que Marcelinho Carioca – o homem que mais levantou troféus para o Corinthians, o homem conhecido como “Pé de Anjo” por sua facilidade em colocar uma bola onde quiser apenas usando seus membros inferiores – precisou se aprofundar em um assunto totalmente alheio ao cotidiano de um jogador de futebol.
E por isso ele está com medo. Ele nega, mas está. É que agora, além de aprender tudo que puder sobre hipnose, durante a produção do TCC, ele também terá que se deixar hipnotizar.
“Você está com medo?”, pergunta o repórter.
“Medo não”, diz Marcelinho, reticente, a voz se arrastando entre os dentes.
“Tá com medo sim, tá morrendo de medo”, se intromete Carolina, apoiada por Gabriel. “Tá com medo de ser hipnotizado e perder o controle”.
“É que eu sou cristão”.
Eles combinam com a professora o cronograma de entrega de cada etapa do trabalho. Os três encontram dificuldade de conciliar a agenda de gravação e edição porque cada um tem um emprego em um lugar diferente. Marcelinho, por exemplo, é secretário de esportes de Ubatuba, no litoral paulista. Tal dia não dá pra um, outro dia não dá pros dois, o dia que dá pros três fica muito perto do prazo de entrega.
“Se vocês não podem estar aqui para fazer isso”, diz a professora Patrícia Rangel, “podem fazer isso no ano que vem”. A ameaça de repetir de ano cai sobre o grupo como uma bomba. Depois dela, nasce a resolução. “Vamos fazer”, conclui Marcelinho. “Vamos dar um jeito”.
Ele já precisou dar um jeito em muita coisa durante seu percurso acadêmico. No começo, tinha dificuldade em fazer tarefas tão básicas para um jornalista quanto anexar um arquivo no e-mail, formatar um texto ou usar um pen drive. Precisou aprender os atalhos do universo digital.
“Ele dizia que durante toda a vida sempre teve assessores que faziam tudo para ele”, conta Paulo Durão, seu professor de diagramação, a técnica de transformar textos e fotos em páginas de jornais e revistas. “Nunca precisou se importar com coisas como mexer em um computador ou anexar um arquivo no e-mail. Mas aqui nunca se mostrou com preguiça de aprender, sempre foi muito dedicado”.
Depois de conhecer de perto a maravilha do armazenamento de informação em espaços supercompactos, o ex-jogador chorou no meio da aula e passou a ver as pequenas coisas sob uma nova ótica: “Hoje eu olho para um pen drive e fico rindo sozinho. Cabe tudo ali dentro!”
Com a ajuda dos colegas mais novos, foi se sentindo mais confortável ao usar as tecnologias digitais. “A gente pedia para ele mandar um e-mail”, conta uma de suas amigas, “ele ia lá, mandava, e o e-mail não chegava. A gente ia ver o que tinha acontecido, e ele tinha mandado um e-mail para ele mesmo!”
Seus professores e colegas também estranharam quando, ao produzir qualquer trabalho durante as aulas, Marcelinho primeiro escrevia o texto a caneta para só depois passá-lo a limpo no computador, um hábito que deve ter acabado nas escolas de jornalismo antes do primeiro título mundial do Corinthians, no ano 2000.
Com ajuda de sua professora de texto, uma mulher jovem de cabelos curtos e descoloridos, chamada de Renata Carraro e apelidada de Renata Carrasco pelos alunos, Marcelinho aprendeu a escrever perfis jornalísticos. Para ser aprovado na disciplina, leu trabalhos de ícones do gênero, como os americanos Gay Talese e Joseph Mitchel.
Acabou produzindo um perfil ainda inédito da apresentadora da Band Renata Fan, texto que sairá em uma coletânea a ser publicada pela faculdade em alguns meses. Marcelo Pereira Surcin também assina uma reportagem sobre estrangeiros no comércio de São Paulo, que saiu na última edição da revista laboratório “Origens”.
Ele faz questão de citar cada um dos professores que o ajudaram a concluir a graduação: Patrícia, Paulo Feuz, Paulo Durão, André, Patricia Ceolim, Luiz Gabriel, Carina, Renata, Raquel, Orlando… Os estudos formais eram um sonho antigo de seu pai, que trabalhava como gari no Rio de Janeiro. “Quando estreei no Flamengo substituindo o Zico no Maracanã, meu pai estava na geral e depois do jogo disse que eu só tinha dado meio passo na vida. A outra metade era que eu tinha que estudar”.
Para seguir o conselho paterno, Marcelinho nunca desistiu da ideia de se formar. Começou o curso de jornalismo ainda em 2006. Onze anos e duas faculdades depois, ele deve se formar no fim do semestre, caso seu trabalho sobre hipnose seja aprovado pela banca.
Sua formação acadêmica deve ajudá-lo também em outras áreas, já que ele assumiu recentemente uma coluna no jornal “O Diário de São Paulo”.
“Minha vida sempre foi treinar”, conta Marcelinho Carioca. “Sabe aquele jogador que fica depois que todo mundo vai embora treinando sozinho? Esse sou eu na faculdade. Eu sei que entrei com essa defasagem e precisei correr atrás para recuperar. Nunca tive vergonha de dizer que não sabia”.
Um dia depois, graças à ingestão de pastilhas e gargarejos, sua voz já estava melhor, apresentando resquícios mínimos do resfriado da véspera.
“Todo mundo sempre me ajudou”.
Créditos: UOL
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