set 18, 2016 Destaque, Entretenimento 1360
Ela se chama Delphine Colin. É uma mãe de família de 42 anos. Vocês não a conhecem, e nós também não. Ela faz parte do 1,7 bilhão de pessoas ativas no Facebook. Há quatro anos ela posta todos os dias fotos de garotas bonitas que têm em comum o fato de serem muito sexy. Bundas, seios, genitais, bocas, vestidos justos, peitos inflados, olhares penetrantes, sim, mas imagens assinadas por Helmut Newton, Guy Bourdin, Paolo Roversi, Richard Avedon, Chris von Wangenheim, Juergen Teller, Araki, e tudo que se pode ver em exposições ou livros. Também encontramos três segundos de um filme, provavelmente de Hitchcock ou de Rossellini. Delphine também é fã de “The Big Lebowski”, o filme dos irmãos Coen. E das músicas do Sonic Youth.
Pode-se dizer que ela tem bom gosto. Suas escolhas são documentadas, com nome do fotógrafo, data e local, e ela adiciona um pequeno comentário que mostra que ela não tem medo. Com muito humor, ela flerta com as proibições. Não as da lei, mas sim as do Facebook, sobretudo a proibição de se mostrar “as partes íntimas nuas, incluindo nádegas ou mamilos femininos. Mamilos masculinos são autorizados.” Durante três anos, ela passou horas todos os dias para encontrar imagens artísticas que mostrassem “a selva”, como ela diz, e mamilos femininos.
Até que um dia ela foi denunciada às autoridades do Facebook por um de seus “amigos”. Foi no dia 24 de março. Ela escreveu: “P… MERDA, um imbecil entre meus amigos me denunciou, agora preciso remover as últimas fotos que postei. Sou muito ingênua mesmo, não pensei que isso me aconteceria. Isso me deixa triste de um jeito fora do normal. Detesto detestar a natureza humana. Merda.” Ela não se lembra muito bem da foto. Ela só recebeu uma mensagem de advertência, dizendo que ela deveria apagar a imagem proibida de uma garota nua. Não é o fim do mundo, mas é triste que quando você é denunciado “acaba entrando no radar do Facebook.”
No dia 3 de maio, ela foi denunciada uma segunda vez por uma foto antiga anônima e familiar de um casal de nudistas na praia. Sua conta foi desativada por 24 horas. No dia seguinte, quando ela a recuperou, ela escreveu: “Minha foto ‘Selva Sempre’, com o charmoso casal que se divertia pelado na praia, foi denunciada. A verdadeira decência seria não se comportar como um babaquinha e procurar o Facebook para mostrar seu próprio rancor. Em quanta miséria intelectual e afetiva você precisa estar para sair denunciando peitos, bundas, vida..? Sei lá, não estou nem aí.”
Alguns dias depois, no dia 24 de maio, ela foi denunciada por uma terceira vez, o que lhe rendeu um “castigo” de três dias. A causa foi uma célebre foto mostrando Marilyn Monroe nua sobre um lençol roxo, quando ela estreou em Hollywood em 1949, e posou para a objetiva de Tom Kelley por US$50 para poder pagar seu aluguel.
No dia 27 de maio, quando ela recuperou sua conta, Delphine postou um precioso texto junto com uma imagem. A foto era uma das mais famosas de Helmut Newton, em preto e branco, de uma jovem loira olhando seus seios transbordarem de um bustiê preto. Em cima, ela manda um recado para Mark Zuckeberg, fundador do Facebook: “Tudo bem, cara. O jogo é seu, então vou jogar de acordo com suas regras. Mas vou contorná-las e, por isso, será ainda mais engraçado. E para aquele que está denunciando minhas fotos… pfffff, caguei.”
Ela deletou então 150 “amigos”, todos aqueles que lhe deram lições de moral. “Eu estava procurando o delator, pois é péssimo ser denunciada, mas não sei se ele é alguém de dentro.” Começou então um joguinho que se pode chamar de “pegue-me se for capaz”, entre Delphine e os algoritmos encarregados de assinalar as infrações. Ela teve de redobrar sua imaginação, alterando as fotos para esconder os elementos criminosos. Ela publicou a imagem mais célebre de Newton, “Sie kommen” (Nuas e Vestidas, 1981), onde quatro mulheres andam decididamente nuas: ela esconde todas as partes problemáticas do corpo. “Pode-se dizer que deu trabalho.” Em outro post, ela conta: “Tudo certo, finalmente encontrei um aplicativo para esconder os mamilos. Legal. Para os pelos vou precisar procurar um pouco mais, mas deve funcionar.”
Delphine publicou uma imagem assinada pelos artistas Maurizio Cattelan e Pierpaolo Ferrari (2013) onde se veem as mãos de uma mulher medindo um imponente pênis de plástico. Isso passou porque é “um acessório”, ela diz. E lembra que a vagina escancarada pintada por Courbet no quadro “A Origem do Mundo” foi censurada. Ela se diverte com as fotos que evocam o sexo masculino: bananas, batons, a torre Eiffel, canetas, sorvetes, salsichas, facas, cigarros, serpentes, cactos, charutos, garrafas de vinho…
Ela tem um amigo que “ganhou uma semana de penitência”. Um outro, um mês. Ela observa: “Quando eu tinha 20 anos, a gente ficava de seios de fora na praia e ninguém dizia nada. Hoje as garotas não fazem mais isso, pois as pessoas olham feio, então existe sim um retorno ao puritanismo.”
Enquanto Delphine Colin se divertia, e milhares de outros eram censurados em silêncio, o Facebook proibiu, no dia 9 de setembro, o prêmio Pulitzer de 1972 do fotojornalista Nick Ut mostrando uma menina atingida por napalm durante a guerra do Vietnã. Essa foto foi censurada porque ela estava nua. Diante da comoção gerada, o Facebook reconheceu o erro e contou que “foram humanos que removeram essa foto”, e que a rede social iria aperfeiçoar sua política. Mas Mark Zuckerberg repete, como fez em 29 de agosto: “Nós somos uma empresa de tecnologia, não de mídia.” Isso tudo para fugir de qualquer responsabilidade editorial, para que a grande limpeza continue. Uma grande piada, em tempos formidáveis.
Tradutor: UOL
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