ODocumento NaTelinha está mostrando os bastidores de programas em todo o Brasil. Desta vez, fazemos um especial sobre um sucesso exibido em rede nacional.
O escolhido foi a maior audiência diária da Record, o “Cidade Alerta”, apresentado por Marcelo Rezende. Atualmente, a atração é exibida das 17h20 até 20h40 e marca entre 9 e 11 pontos de audiência na Grande São Paulo, algo incrível para um programa com tão longa duração.
Além de uma grande entrevista, acompanhamos a edição do programa. Primeiramente, acontece a conversa, que durou cerca de uma hora. Marcelo se mostra bem humorado e sem papas na língua. Fala de carreira, da vida, do possível talk-show que terá em 2015 na Record, dentre outras coisas.
No meio delas, faz piada com o seu colega, Percival de Souza, quando ele dá um “oi”: “Percival é o único morto que dá tchau”. O programa começa pontualmente às 17h20. Antes do início, quando chego no estúdio, Marcelo come um lanche e até me oferece, mas educadamente, recuso. Noto que, durante o jornalístico, ele monta a estratégia, percebe o que os concorrentes estão passando para ver o que colocar no ar. No início, quando está próximo no Ibope à “Malhação”, diz: “Vou passar a Globo só de sacanagem”. Pelo que descobri depois, conseguiu. Durante uma matéria mais longa, trocamos alguns papos e nessa, converso com Percival.
Pergunto se as pessoas que leram seus livros acham estranho a sua atual condição. Ele nega: “Nada, eu gosto. Criança gosta de mim”. Confesso, dei risadas com algumas matérias com tom mais leve, assim como todos no estúdio.
No fim da minha estada no estúdio – saio por volta de 19h45 -, Marcelo me cumprimenta e diz: “pode voltar quando quiser, você deu um Ibope danado. Deu sorte!”.
Confira os melhores momentos da entrevista:
Foto: NaTelinha
NaTelinha – Como é que você avalia seu ano depois de um 2013 sensacional? Foi a mesma coisa?
Marcelo Rezende – Eu pensei que não tivesse um ano que fosse superar o de 2013, mas 2014 foi um ano extremamente interessante, porque 2012 começou a arrancar, 2013 arrancou fortemente e 2014 é um ano que eu pensava de ficar só mantendo e não foi verdade.
Foi um ano em que o “Cidade Alerta” alavancou ainda mais o que já tinha alavancado, se estabilizou numa linha ascendente em que vai crescendo ainda. Não cresceu mais por falta de recursos, que são muito poucos para um programa de 3 horas e meia.
Para você ter ideia, ontem quando deu 19h50, já não tinha mais o que por no ar. Acabou tudo. Aí foi aquele corre-corre para ver o que é que faz. No final sempre dá certo, mas não é o ideal.
Então, o “Cidade” é um produto que ele ainda está aprisionado na falta de recursos. Se ele tivesse mais, cresceria mais. Isso eu vejo como impeditivo. Nós temos uma demanda represada.
Mas em 2014 o “Cidade” cresceu e aumentou e consolidou a abrangência no aspecto de idade. Portanto, pega criança de 5 anos e por isso que eu mando conter cenas de violência explícita. Pode escapar algo por serem três horas e meia, mas quando escapa, eu fico brabo. E vamos até a pessoa de mais idade.
Há uma outra questão que em paralelo ao “Cidade Alerta”, a minha vida criou novas áreas, como a de publicidade, que estou começando a fazer.
Foi ainda o ano em que o livro realmente pegou. Ele foi lançado no final de 2013, mas foram vários lançamentos durante o ano. A editora Planeta não soube planejar e o livro acabou vendendo o que tinha e o que não tinha. O pouco que restou é porque foi mal colocado.
Mas o livro é na verdade um outro motor a impulsionar. As coisas foram se interligando. Então, nesse aspecto a minha vida profissional foi muito legal, esplêndida. Foi tão boa quanto 2013.
E 2014 na minha vida pessoal também foi bom. Estou tranquilo, namorando uma pessoa com calma e isso me ajudou muito em tudo.
NaTelinha – Você está numa fase zen?
Marcelo Rezende – Não, eu sou assim mesmo. Todo mundo acha que eu sou agitado, mas eu não sei porque acham.
Como agora eu consegui fazer o “Cidade Alerta” como eu quero – isso é, brincando, mexendo com um e com outro, contando as histórias que me vem na cabeça – eu sou calmo.
Todo mundo me pergunta como eu saio daqui depois de 3 horas e meia em pé falando dessas coisas: eu fico sozinho, moro sozinho. Eu chego e nem ligo nada. Fico em silêncio e vou fazer as coisas que eu gosto. Escolher um vinho para beber, cozinhar…
As vezes a moça que trabalha para mim deixa uma coisa que eu não gosto para comer, eu vou lá e cozinho. Fico horas em silêncio. E faço disso uma bateria para o dia seguinte. Ali que eu me restabeleço.
NaTelinha – Você tem uma concorrência abissal nesse horário pegando três novelas da Globo, o Datena e o “Chaves”. Como que vê esses concorrentes?
Marcelo Rezende – Eu, na verdade, olho para frente. Eu tenho uma televisão muito forte, que é a Globo. E tenho um concorrente muito forte, o “Chaves”, principalmente agora que juntaram duas coisas: a morte do Roberto Bolaños com as férias das crianças, somando isso a 40 episódios inéditos. É muito forte para você.
Eu não posso ter uma estratégia para cada um. E por que não posso? Por não dar. Então, em resumo, eu tenho uma estratégia minha para trabalhar, em que sei que não vou conseguir flutuar enfrentando “Cobras & Lagartos”, “Malhação”, “Boogie Oogie”, “SPTV”, “Alto Astral” e um pedaço do “Jornal Nacional”.
Enquanto a Record está com um produto chamado “Cidade Alerta”, a Globo tem seis. E o que eu faço é simples. Televisão é hábito, em que você gosta de uma coisa e se habitua com aquilo. Então eu montei um programa com uma cara que vai mantendo-se assim.
Dependendo de uma coisa factual, eu posso alterar a cara, mas como eu tinha me proposto a duas coisas: no início do “Cidade Alerta”, montar uma equipe onde a base fosse feminina.
Eu acredito que as mulheres tem mais sensibilidade do que os homens, que raramente tem uma sensibilidade feminina. Somado a isso, a mulher é mais determinada na hora em que quer alguma coisa. Ela não fraqueja.
Meu sonho era montar uma equipe feminina e praticamente consegui montar. A maioria das pessoas que trabalham comigo é do sexo feminino. As repórteres do ao vivo, por exemplo… Eu priorizo isso.
Outra coisa que eu vi é que tem três coisas muito desassistidas: primeiro, a mulher. A violência contra elas cada vez aumenta mais, principalmente no ambiente doméstico.
Segundo: idosos, que também são maltratados e fica por isso mesmo. E por último as crianças.
Eu montei a base do programa para ir nesses pontos que a polícia não resolve e a justiça não faz nada. Não há nada mais hipócrita e mentiroso do que a tal medida protetiva para as mulheres. Alguém teve coragem de assinar um documento sabendo que ele não vale nada.
Assim, como eu acho que o homem tem mais possibilidades de defesa do que a mulher, a criança e pessoas idosas, eu resolvi montar o programa assim. E isso acabou tendo uma proximidade muito grande com o público.
No perfil do “Cidade Alerta”, praticamente metade das pessoas que assistem ao programa é mulher, sendo que na teoria deveria ser um programa para homens.
E a classe principal que assiste ao “Cidade Alerta” é a classe C, principalmente a C1, já que dividiram em duas. Mas o somatório de A e B é maior que C. Onde há um número menor é na classe D.
Ou seja, o “Cidade Alerta” fala com a população e com aqueles que formam a opinião da população. Está unido com a elite e com aqueles que precisam.
Esse mix está num olhar jornalístico sobre a questão somado com a diversão. Eu não vim para vida para ser zangado. Eu vim a passeio. Se você não dança com a vida, ela dança contigo.
Moral da história: é esse passeio, da brincadeira, de mexer com Percival, de inventar Fabíola Rabo de Arraia, a Biquinho de Lacre em Brasília, a linda Sylviê em Goiânia… Isso tudo foi aproximando o público.
Mas a gente tem outra característica muito interessante, que ninguém percebeu e eu fiz calado. Temos um representante de cada lugar do país. Nenhum programa tem.
NaTelinha – Assim dá a chance de pessoas de regiões mais afastadas aparecerem em rede nacional, é isso?
Marcelo Rezende – É. Nós vivemos num país multirracial. É tudo multi no Brasil. Daí pensei: eu sou um carioca que vivo há 20 anos em São Paulo, que me acolheu. E porque é que não devemos acolher as pessoas de um país que é nosso? Com isso, eu bati na tecla de esquecer esse negócio de que a gente é obrigado a ter um “centro do universo”.
Não existe isso. Nós somos um universo. Então, eu tinha a Fabíola Rabo de Arraia em Manaus e a Pranchetta no Rio Grande do Sul, um pouquinho mais e tenho a Biquinho de Lacre no Centro-Oeste e a Sylviê em Goiânia. Hipoteticamente, por Sergipe eu tenho o Mike Tyson, mas aí eu tenho a Analice.
E aí a gente vai misturando. E isso também deu uma representatividade. Mas é mentira se disser que fiz consciente. Eu fiz pela sensibilidade. Não fiz do jeito que te expliquei. Estou te explicando uma coisa que notei depois de feita, mas a fiz pela intuição. Não planejei. Isso foi saindo, da mesma maneira que eu invento o apelido na hora.
Não fico pensando. E eu peço para avisar a quem entra no “Cidade Alerta”, que se a pessoa se sentir constrangida, já me avisa que eu não mexo. Não adianta brincar com quem não quer. Mas todo mundo recebe bem.
A gente teve isso de inconscientemente abraçar o Brasil e por isso foi abraçado pelo Brasil. Porque é gostoso ver a Sylviê falar, é bacana quando a gente vê o sotaque da Analice, quando a gente vê lá embaixo a Pranchetta falar com sotaque gaúcho e a Fabíola do jeito que ela fala.
Senão a gente acaba repetindo o grande erro da novela, que no meu ponto de vista é um produto em extinção.
NaTelinha – Por que, Marcelo?
Marcelo Rezende – Ela não representa as nossas coisas. É sempre a mesma. Se eu fosse dono do dinheiro, só fazia minissérie e acabava com novela.
Para cada “Avenida Brasil”, você vai ter um monte de estrada M Boi Mirim, entendeu?
Aí eu vejo que ficam as vezes cheios de preconceito. Se bem que com o “Cidade Alerta” acabou e as pessoas entenderam que é um programa, não um telejornal.
Eu fico vendo críticas de ser “mundo-cão”, aí olho no monitor e a novela em que a garota começou com a bermuda no joelho, quando se busca a audiência, o short já está quase virando um colar.
E os caras dando beijo na boca arrochado e mergulhando em piscina nus às 6 da tarde, só de biquininho. E penso se é isso mesmo que representa o que as pessoas querem ver.
E vejo que as novelas se repetem. Está cheio de M Boi Mirim, mas é difícil ter uma “Avenida Brasil”.
Aí onde eu acredito que o “Cidade” navega e eu acredito que reflita a realidade do povo brasileiro, também na diversão e na brincadeira, quando eu mexo com Percival e ele comigo, já que ele também me goza.
A gente vai levando e acabou virando isso tudo uma família que entra na casa das outras famílias tornando uma só.
NaTelinha – Tem quantas pessoas diretamente envolvidas no “Cidade Alerta”? E qual é a sua rotina diária para colocar um programa de três horas e meia no ar?
Marcelo Rezende – Tem pouquíssima gente. Mais ou menos nove editores para esse tempo. O “Cidade Alerta” precisava ter trabalhando forte no mínimo umas 80 pessoas e não chega, tirando a equipe técnica de filmagem, o número é em torno de 25.
É um case e também trabalho escravo. Vou denunciar para Organização Internacional do Trabalho que é escravidão (risos).
Mas o esforço feito por cada um faz com que isso reflita. O chefe de reportagem mal tem tempo de comer. Eu vejo ele passar o tempo inteiro igual a um alucinado no telefone. Ele e outra menina. Nessa brincadeira aqui, tinham que ter uns 10.
É um fenômeno de um custo tão baixo para um resultado tão grande.
NaTelinha – Mas e sua rotina? Você vê as matérias antes de entrarem no ar?
Marcelo Rezende – Eu nem gostaria de ver antes. Se eu assistir, vou cortar um monte de coisa e não tem programa, aí não dá. E também é humanamente impossível.
A grade tem 173 itens hoje. E você pode encontrar atrasos de processamento já com 125. O limite que me permite o computador da Record é esse. Quando está acima, ele diz que vai ter um espelho demorado.
É óbvio que vai coisa para o ar que não iria se tivesse um número certo de editores. Mas imagina 173 retrancas dividido por 9. Dá umas 20 para cada um. O cara não tem tempo de ver num sistema que vira em tempo real quando você passa do limite.
E algumas vezes a gente derruba quando tem alguma coisa muito fundamental. Choveu, desabou, está tudo inundado, aí a gente evidentemente vai por isso ser um serviço de utilidade pública.
Eu faço algo que possa servir para sociedade, na minha cabeça. Se eu faço não sei, mas pelo menos tenho a intenção.
NaTelinha – Você tem noção de que é formador de opinião e que as pessoas levam em conta o que você fala para formarem as suas próprias?
Marcelo Rezende – Eu não sei se eu tenho tanta influência. Mas quando eu falo, evidentemente, isso pode afetar a pessoa para o bem ou mal e até consolidar uma opinião diferente até do que tinha.
E numa coisa isso é bom. Eu não fico procurando o que falar. Digo o que sinto e minha alma carrega.
Na entrevista que eu dei para a Playboy, tem um tópico muito grande sobre o bispo Edir Macedo. E eu falei o que sinto. Se não sentisse, evidentemente não ia esculhambar o meu patrão, não meteria o pau.
Mas eu estou igual ao livro dele: não tenho mais nada a perder. Então, falo o que sinto. E aqui eu acho que sou o único cara que tem liberdade para citar a TV Globo.
E falo, elogio, como fiz ontem ao falar do Robson Cerântula, um produtor com que trabalhei de parceiro por anos e conseguiu o depoimento da agente penitenciária que falou sobre o caso Nardoni e colocou o avô na história do crime.
Fui lá e elogiei um companheiro que trabalha na Globo. Quisera eu que ele trabalhasse aqui. Falo o que sinto.
NaTelinha – Marcelo, e esse talk-show que disseram que você vai ter? Sai ou não sai?
Marcelo Rezende – Olha, eu acho que não. Eles estão querendo fazer, mas ainda não conversaram comigo. O que li é que eles estão querendo um programa, às 21h30, diminui o “Cidade Alerta”. Foi o que eu escutei da direção. Mas a gente tem que conversar, essas coisas tem que se conversar. A ideia que me falaram aqui, é fazer um programa contra a novela. Eu sei que o que falaram para mim. Mas só me falaram isso. Eu li no jornal que o nome do programa seria “Corta Pra Mim”, e eu tô esperando. Tô esperando cortarem para mim. (risos) Tem uma série de coisas a serem conversadas, porque se acontecer, minha vida vai ser viver na Record, e eu tenho outros aspectos profissionais que me pedem também. Não sei, vamos ver. Eu espero.
NaTelinha – Você tem um contrato enorme com a Record, não é?
Marcelo Rezende – Até 2020. Eu morri e o contrato continua lá. (risos)
NaTelinha – O que você planeja até lá? Ou você não planeja nada?
Marcelo Rezende – Eu não planejo nada. (risos) Eu planejo continuar tocando o “Cidade Alerta” e vou escrever um livro novo talvez. Foi uma ideia de uma amiga de uma editora, mas eu dei uma parada agora. Tem também um projeto de rádio, um programa, mas eu nem esbocei ele ainda. Foi uma conversa que surgiu em novembro, mas já estamos no fim do ano. Eu falei: “Eu vou jogar âncora no mar e ficar quieto”. E é isso, vou continuar o programa, se Deus quiser. Se Deus não quiser, eu vou continuar do mesmo jeito (risos).